Crítica | Novo épico de Christopher Nolan reconstitui o som e a fúria da retirada de Dunquerque
Por Neusa Barbosa do Cineweb
Pela primeira vez baseando um filme seu em fatos reais, o cineasta inglês Christopher Nolan volta ao básico. Escolhe como cenários de sua história a terra, o mar e o ar, troca o digital pelo filme, no caso, o 65 mm (e o IMAX), esnoba o 3D e recorre ao mínimo de efeitos digitais para compor o espetáculo realista de Dunkirk, filme que recupera um trágico mas também edificante episódio do início da II Guerra Mundial.
Entre maio e junho de 1940, poucos meses depois de as tropas nazistas começarem a invadir a Europa, haviam encurralado cerca de 400.000 soldados Aliados, muitos deles britânicos, na praia de Dunquerque, norte da França. De um lado, estavam os nazistas, solidamente armados, de outro lado, o mar. A chance de resgate marítimo era sistematicamente dizimada pelos ataques precisos dos submarinos e aviões alemães. Tudo parecia perdido e a Inglaterra estava a um passo de tornar-se o próximo alvo a cair nas mãos de Hitler.
Recorrendo, mais uma vez, à parceria com o diretor de fotografia suíço Hoyten van Hoytema (que o acompanhou na ficção científica Interestelar), Nolan cria para o espectador a sensação de estar dentro dos acontecimentos, como se fosse um dos soldados acuados na praia, um dos pilotos dos caças, um dos passageiros dos barcos de salvamento. E o faz recorrendo a um roteiro, também de sua autoria, em que os diálogos são mínimos e a potência visual e auditiva é elevada ao máximo a partir de uma obsessão com os detalhes que, há muito tempo, é a marca do estilo do diretor de Amnésia e A Origem. Assim, valorizam-se texturas, detalhes de rostos e roupas, sons, dos mais mínimos aos mais tonitruantes, e uma trilha sonora grandiloquente de Hans Zimmer, materializando o turbilhão de quem estava naquelas situações-limite.
A maestria da direção de Nolan, mais uma vez, está no comando do tempo, tornando simultâneas ações que se desdobram em ritmos diferentes. Na praia, onde estão estacionadas as tropas Aliadas, os fatos se estenderam por uma semana. No mar, coalhado de centenas de barcos civis britânicos que atenderam à convocação patriótica para ajudar os conterrâneos cercados, um dia. E no ar, não durou mais do que uma hora a batalha dos caças britânicos Spitfire contra os aviões inimigos que dizimavam os seus na terra e no mar. A façanha se dá através de uma montagem coordenada com precisão, trabalho do editor Lee Smith, parceiro de Nolan na sua trilogia Batman.
Com este apoio cirúrgico na técnica, o filme nunca corre o risco de tornar-se frio porque materializa seus dilemas na pele de alguns personagens escolhidos, como o soldado Tommy (Fionn Whitehead), garoto franzino que vemos escapar de algumas das situações excruciantes da história, ao lado do calado Gibson (Aneurin Barnard) e do impetuoso Alex (o cantor Harry Styles, ex-integrante da banda One Direction).
Num pequeno barco civil que vem em socorro dos soldados,impossível não torcer pela sorte de seu comandante, o sr. Dawson (o impecável Mark Rylance), seu filho Peter (Tom Glynn-Carney) e o garoto George (Barry Keoghan), que mantêm o equilíbrio até que recolhem do mar o primeiro soldado (Cillian Murphy). No ar, os pilotos Collins (Jack Lowden) e Farrier (Tom Hardy) revezam-se na perseguição aos aviões nazistas. Na praia, o comandante Bolton (Kenneth Branagh) e o coronel Winnant (James D’Arcy) debatem-se em decisões difíceis sobre o que se projeta como um imenso desastre militar.
O que interessa, afinal, a Nolan é o que foi feito desse impasse em termos de injetar energia no moral britânico, que parecia desolado naquele momento da guerra, quando os nazistas pareciam imbatíveis. Como todo mundo viu depois, não eram. E os mais de 300.000 soldados retirados de Dunquerque pelo trabalho coletivo de centenas de indivíduos isolados, civis, homens, mulheres, velhos, jovens, tiveram sua chance de participar das batalhas contra o fascismo, que naquele momento apenas começavam.
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